4 filmes sobre fé que agradam de ateus ao Papa
- Eric Campi
- há 3 dias
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Na última segunda-feira, 21, morreu o Papa Francisco, no Vaticano. Depois de décadas de comandos conservadores na Santa Sé, o mais recente pontífice assumiu o posto de liderança progressista, operando pequenas, mas difíceis, mudanças na Igreja Católica, como uma descentralização de poder, além dos discursos ligados à ciência, à preocupação ambiental e à diversidade.
Francisco foi um Papa popular, que agradou mais aos ateus do que os católicos conservadores, porque tentou tirar a Igreja de um trono intocável e trazê-la de volta ao chão. De alguma forma, foi um Papa quase secular, que retomou, ao menos, o mínimo de humanismo à religião cuja base sempre foi essa.
A arte acaba se beneficiando da realidade, mesmo quando esta é triste. É claro que todo mundo correu para ver “Conclave” nesta semana, por exemplo. Então, para continuar neste espírito, fica aqui a dica de quatro filmes muito diversos entre si, mas que tratam da fé por um viés humanista, levando a questão para mais perto da realidade, em vez de deixá-la num limbo intocável e, portanto, conservador.
- Diário de um Pároco de Aldeia (1951), de Robert Bresson

Robert Bresson é o cineasta perfeito para falar da fé católica, porque esta acontece dentro. Parafraseando-o, a fé “está aqui, atrás dessa fronte, dessas faces”. Ela está internalizada e não se dá por arroubos de demonstrações teatralizadas ou por representações cinematográficas.
Em “Diário de Um Pároco de Aldeia”, somo colocados a acompanhar o religioso do título, que tem a fé perturbada pelos acontecimentos do dia a dia e pela doença. O sofrimento, como o de Jesus ou do burrinho Balthazar em “A Grande Testemunha”, abalam a crença ao mesmo tempo que aproximam da graça. Ser um religioso é diametralmente oposto à acumulação de bens, ao luxo. Pelo contrário, é sujar os sapatos com o chão de terra, é sofrer como sofrem todo dia a maioria das pessoas em suas vidas humildes. É solitário e gera incertezas.
Para acreditar é preciso antes duvidar. E, com ecos de Dreyer, para acreditar é preciso, primeiro, suportar.
- A Tortura do Silêncio (1953), de Alfred Hitchcock

Se Bresson trata do sofrimento inerente à fé cristã por um viés quase estoico, Hitchcock trabalha o seu sadismo moralista de costume. No filme, Montgomery Clift interpreta um padre investigado por assassinato que sabe a verdadeira identidade do criminoso, mas que não pode entregá-lo já que a descobriu no confessionário.
A fé, aqui, torna-se uma cruz a ser carregada. Imagens religiosas estão presentes durante todo o filme como um peso, como uma opressão sofrida pelo personagem. O teste último do religioso é justamente abrir mão da própria inocência para garantir a ética da profissão da fé.
É uma mistura do suspense usual hitchcockiano com o melodrama. Como sempre nos filmes do diretor, é um espetáculo de emoções e de controle formal.
- O Evangelho Segundo São Mateus (1964), de Pier Paolo Pasolini

Como muitos gostam de destacar, Pasolini era comunista, gay e católico. São características que não soam tão estranhas para nós, latinos e principalmente brasileiros, já que aqui o catolicismo está bem ligado a um certo progressismo e, por exemplo, muito presente na fundação do PT e na luta contra a ditadura.
Como afirmava Glauber Rocha, “O Evangelho Segundo São Mateus” foi feito na época em que o Papa João XXIII levava para a Igreja uma maior preocupação com os países de terceiro mundo e com as classes operárias. É um filme fruto de um tempo que precedeu o progressismo de Francisco.
Ele é essencial para entender a ideia de Jesus como um ser político, como um líder revolucionário que se coloca contra a elite romana. Um filme que, sem negar o divino, reforça o lado humano. Reforça que amar o próximo é um ato de resistência. Que distribuir o pão é socializar o fruto do trabalho.
Pasolini defendia a “subjetividade direta livre” no cinema, como se o narrador do filme estivesse junto com os personagens; como se a câmera estivesse presente no mundo fictício em vez de ser apenas uma observadora distante. Ou seja, passando pelas mesmas situações de Jesus, vivendo ao lado dele, o que se sobressai é a sua humanidade. Está colocada aí a necessidade de secularizar a religião, de sair do reino dos céus para caminhar no deserto e sentir fome.
- Sinais (2002), de M. Night Shyamalan

É comum colocar Shyamalan com o cineasta da fé. Ainda que não seja uma visão errada, é mais prudente identificar de que fé se fala. O diretor sempre trabalha com elementos religiosos em seus filmes, mas ele enxerga as religiões como histórias que contamos. Então, mais que um crente ou um pregador, Shyamalan é um narrador. A fé, irrestrita, é no poder das histórias.
Em “Sinais”, Mel Gibson interpreta um ex-padre que se tornou descrente depois da trágica morte da esposa. Ele retoma a fé depois de passar por momentos de terror durante uma invasão alienígena.
Como eu já havia escrito em outro texto sobre o diretor, “a narrativa (mítica, religiosa, heroica, sobrenatural) está posta. Agora, basta que as pessoas inseridas nessa narrativa entendam isso e descubram o papel delas no jogo. O cinema do Shyamalan é sobre descobrir a si mesmo, o seu potencial de se tornar herói, vilão, salvador, sobrevivente, mártir. É sobre, a partir do momento que descobrir que aquela história existe naqueles termos, achar o seu papel”.
Não é um cinema de imobilismo perante um criador que definiu o destino de cada um, mas sim de entender o seu lugar para poder agir de acordo; para ativamente mudar a realidade. Não basta ser um escolhido de Deus, é necessário se mexer para fazer o que é preciso.
Eric Campi (@ericcampi_) é jornalista e pós-graduado em Audiovisual. Já trabalhou em diversos veículos de jornalismo cultural, como na Revista CULT e nos sites Wikimetal e MadSound.
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