Só de imaginar um professor de psicologia convidando seus alunos para assistir ao filme A Baleia e, em seguida, identificar alguma patologia no personagem Charlie (interpretado por Brendan Fraser), começo a sentir calafrios. Esse hábito está cada vez mais presente em diversas áreas, onde os filmes se tornam apenas ilustrações para determinados temas que, na melhor das hipóteses, reduzem a obra a uma ferramenta didática. Assim, o aluno/espectador se habitua a enxergar as obras de arte como meros instrumentos educacionais.
Com a chegada do filme à plataforma da Netflix, comecei a refletir sobre a experiência que tive ao assisti-lo na época de seu lançamento nos cinemas, e esse foi o meu primeiro pensamento: Darren Aronofsky, o diretor, tem uma forte inclinação para explorar temas espirituais. Mesmo quando não os aborda de forma explícita, como em Fonte da Vida e Noé, seus filmes frequentemente trazem personagens que passam por reflexões profundas, além de suas condições materiais. Considerar o filme sob a ótica que patologiza Charlie me deixou inquieto, imaginando o quanto a experiência estética proposta pelo artista seria reduzida a um pensamento causal e limitado.
Será que esses espectadores se permitem sentir o enclausuramento sugerido por aquela imagem quadrada, que Charlie ocupa quase inteiramente? Será que o momento em que seu corpo parece transcender, indo além, provoca alguma reflexão sobre sermos consciências aprisionadas em corpos materiais? Corpos que se expressam neste mundo físico, mas que, simultaneamente, contêm conhecimentos, experiências e perspectivas que podem transcender essa materialidade?
Charlie é marcado por um trauma. Seu corpo parece aprisionado naquele passado. A obsessão por olhar para um corpo e buscar um diagnóstico que possa salvá-lo é apenas mais uma camada de aprisionamento. Isso nos impede de enxergar Charlie além de seu corpo, que não consegue sustentar a si mesmo. E, com a morte, ao se transformar em algo — talvez um raio de luz, como sugerido pelo diretor —, ao deixar essa materialidade, Charlie pode ter transcendido as certezas que lhe foram impostas.
Como artista, sempre espero que os filmes sejam vistos de outras maneiras, que novas possibilidades sugeridas pelas imagens sejam exploradas. Seria interessante que, por um momento, deixassem a racionalidade de lado. Que outras sensações pudessem atravessar os espectadores. E, por isso, acredito que o filme oferece muitas outras interpretações.
Mas sei que tudo acabará em vídeos do tipo "A Baleia – Final Explicado".
Que triste é este mundo, onde precisamos explicar as artes.
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