Grupos, quando possuem um discurso consonante, tendem a sufocar dissidências, assim como os casais constroem uma linguagem própria, códigos quase secretos que, ao longo do tempo, se aperfeiçoam e se tornam únicos. Basta um olhar para que toda a comunicação se estabeleça.
Grupos possuem a mesma capacidade, talvez de forma mais explícita, de construir códigos de comunicação próprios para saber quem está de acordo com as ideias compartilhadas, as ideologias.
Quando culturalmente sufocados, os grupos tendem a agravar esses códigos, tornando-os mais confusos, metódicos e obrigatórios. A ideia central é que esses códigos servem para reforçar a coesão do grupo e identificar quem está alinhado com as ideias compartilhadas. É uma forma de segurança, privacidade e sobrevivência. Como os vagalumes (faço um paralelo à reflexão proposta por Pier Paolo Pasolini), os códigos se tornam sinais em meio à escuridão, para que aqueles que se veem como iguais possam se encontrar e se preservar.
Diante dessas necessidades, alguns grupos encontram espaços no mercado de livre fluxo de ideias, permitindo que a cultura de um determinado grupo se dissimine entre outros grupos, transformando os indivíduos e suas relações. Logo, o vocabulário, os olhares, os gestos, as vestimentas, as referências, os assuntos. Tudo passa a se alinhar e um consenso é estabelecido.
A dissidência é cada vez mais sufocada, e o grupo aos poucos vai se tornando um núcleo monolítico, onde o outro cada vez mais vai se tornando um eu. E quanto mais diferenças são percebidas, mais o outro precisa ser repreendido.
Trato tudo isso como uma condição da experiência humana. Podemos pensar em mecanismos políticos para tentar driblar essa condição, mas em tempos de grandes turbulências é difícil enxergar qualquer alternativa.
Da cultura latente - que talvez não seja mais tão latente - e que me causa profunda angústia seria o desdém que se manifesta de muitas formas. Na leveza de um suspiro, no olhar que foge, no silêncio cortante, sem palavras, no distanciamento que a forma de se comunicar esconde. É o não dito, mas sentido na entrelinha, a falta de interesse em gestos pequenos, o desinteresse sutil que se adivinha. É a indiferença que paira no ar, se recusando a partilhar. É a desconexão que se instala aos poucos e que dilacera os laços já quase inexistentes.
Vejo o desdém manifestado em quase todos os personagens midiáticos, nos ficcionais, na opinião jornalística, na sala de aula, entre os ditos amigos. O desdém é o que rege as relações contemporâneas.
Caetano Grippo é cineasta, artista plástico e educador.
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