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Foto do escritorCaetano Grippo

ALÉM DO CLICHÊ | 5 filmes que todo psicólogo deveria assistir

Fico muito feliz em lançar esta nova coluna aqui no Espaço Rasgo. Convidei outros colunistas a participar desse projeto, e eles prontamente toparam a ideia.


Clichês se tornam clichês porque funcionam. Eles surgem de ideias que, em algum momento, foram originais e conquistaram corações. Não é à toa que certos filmes são frequentemente citados por professores das mais diversas disciplinas. Em sua maioria, são obras potentes e funcionais para os objetivos propostos em sala de aula. Apesar disso, grande parte dos alunos não conhece essas obras ou mal ouviu falar delas, o que acaba por reforçar sua relevância ao cumprir um papel introdutório e instigante.


No entanto, sempre percebi um problema nesse processo, que me parece cada vez mais evidente. Para mim, a sabedoria está intrinsecamente ligada à capacidade de fazer conexões interdisciplinares. A inteligência se expande quando criamos diálogos entre diferentes áreas do conhecimento, ultrapassando os limites da nossa formação ou do que estamos habituados a estudar.



Uma vez, José Wilker me disse: "Não confio em um médico que não conheça Shakespeare." Quando era mais jovem, talvez não tivesse compreendido o peso dessa frase, mas ela ficou marcada em mim. Hoje, ela fundamenta muito do que defendo como artista e profissional da saúde mental: não há desenvolvimento humano sem o aprofundamento e a ampliação do conhecimento interdisciplinar. E, nesse contexto, é imprescindível reconhecer o papel transformador da arte. Principalmente do seu aspecto provocativo, que desafia as regras e as ordens estabelecidas.


Esta coluna, assim como a lista que apresento a seguir, tem como objetivo ampliar o repertório de quem busca entender o cinema sob a ótica de outras disciplinas. Para isso, separei cinco filmes que, em minha visão, poderiam (e deveriam) ser incorporados ao circuito acadêmico das aulas de psicologia. Eles oferecem reflexões valiosas para as mais variadas abordagens presentes na formação dos alunos.


É comum vermos professores citando filmes como Precisamos Falar Sobre Kevin, Um Estranho no Ninho, Uma Mente Brilhante e outros. Com a explosão de produções audiovisuais nas plataformas de streaming e o crescente interesse pelo tema dos transtornos mentais, séries e filmes que exploram personagens com traços psicológicos marcantes têm se multiplicado.


Porém, a proposta aqui é ir além do óbvio. Ir além da ideia de ilustrar o comportamento de uma pessoa sob a influência de uma patologia. Quero destacar filmes que não se concentram exclusivamente nos transtornos mentais, mas que podem ser disparadores de debates profundos sobre temas cruciais para a saúde mental e outras áreas do conhecimento. Afinal, um bom exercício é sempre buscar compreender a multidisciplinaridade que permeia uma obra cinematográfica.


Assim, apresento aqui cinco filmes que considero essenciais para o universo da psicologia. E prometo: esta é apenas a primeira parte de muitas. Ainda há muita coisa boa por aí para explorarmos juntos.



 

VOCÊ NUNCA ESTEVE REALMENTE AQUI


Cartaz do filme "Você Nunca Esteve Realmente Aqui" em Inglês.

Título Original: You Were Never Really Here

Direção: Lynne Ramsay

Roteiro: Lynne Ramsay (baseado no livro de Jonathan Ames)

Elenco: Joaquin Phoenix, Judith Roberts, Ekaterina Samsonov


Sinopse: Joe é um veterano de guerra traumatizado que trabalha resgatando garotas de redes de tráfico sexual. Quando é contratado para encontrar Nina, a filha de um político influente, ele descobre uma rede de corrupção muito maior do que imaginava, enfrentando seus próprios demônios ao longo do caminho.


Motivos para um psicólogo assistir:


Os filmes silenciosos são, na minha opinião, os que mais exigem do espectador. Especialmente quando a composição das imagens demanda uma atenção aguçada e até um certo refinamento do olhar. Para alguns, é nesse espaço que a poesia acontece. Eu acrescentaria que é também onde aprimoramos nossa sensibilidade.


Como professor, considero fundamental oferecer aos alunos interessados a chance de aprimorar sua capacidade de observação. Isso é especialmente relevante para aqueles que irão lidar com pessoas e seus problemas. A sensibilidade exigida por um filme silencioso é um exercício valioso para futuros profissionais dessas áreas. Ainda assim, esse seria o motivo mais superficial para incluir um filme assim na lista.


O silêncio no filme está intrinsecamente ligado ao silêncio do protagonista. Esse homem, que carrega uma carga de traumas, é incapaz de verbalizá-los. Seu sofrimento transparece no olhar, nos gestos, no cuidado com a mãe, nas brincadeiras consigo mesmo. Para entender Joe, não podemos esperar respostas em diálogos ou explicações. Relacionar-se com ele exige uma postura ativa do espectador, um olhar atento a cada composição criada pela diretora Lynne Ramsay, que nos conduz por meio da linguagem visual e do silêncio.





 

SOB A PELE



Título Original: Under the Skin

Direção: Jonathan Glazer

Roteiro: Jonathan Glazer e Walter Campbell (baseado no romance de Michel Faber)

Elenco: Scarlett Johansson, Jeremy McWilliams, Adam Pearson


Sinopse: Uma mulher percorre as ruas da Escócia, atraindo homens solitários para um destino fatal. Enquanto explora a humanidade de suas vítimas, ela começa a questionar sua própria identidade e propósito.


Motivos para um psicólogo assistir: Algumas sinopses acabam entregando surpresas que deveriam ser descobertas apenas nos momentos finais do filme. Todo o estranhamento presente nas imagens que selecionei — muitas delas revelando seus segredos aos poucos — reflete a atmosfera do filme. Por isso, tive extremo cuidado ao escrever esta sinopse, evitando qualquer spoiler. Se você ainda não assistiu, recomendo atenção redobrada com o que lê por aí.


Desde as primeiras imagens, somos convidados a interpretar uma estrutura que lentamente se revela. Lentes que se sobrepõem sugerem a complexidade de um objeto óptico, até que, enfim, se mostram como um olho. O filme gira em torno desse olho, um símbolo em busca de algo essencial para se definir como humano. A mulher que caminha pelas ruas, atraindo homens solitários, também busca esse "algo a mais" para encontrar sua própria identidade. Mas onde, afinal, ela poderia descobrir a sua humanidade?


O filme questiona constantemente o que nos torna humanos e explora, sob a perspectiva ocidental e liberal, a ideia de "eu" — esse conceito tão presente no nosso discurso, mas nem sempre compreendido em sua profundidade.




 

GOSTO DE CEREJA


Título Original: Ta'm e Guilass

Direção: Abbas Kiarostami

Roteiro: Abbas Kiarostami

Elenco: Homayoun Ershadi, Abdolrahman Bagheri, Afshin Khorshid Bakhtiari

Sinopse: Em Teerã, o senhor Badii percorre a cidade em busca de alguém que esteja disposto a ajudá-lo em um plano incomum: enterrá-lo após seu suicídio.




Motivos para um psicólogo assistir: A ditadura teocrática do Irã impôs aos cineastas uma estética singular, fruto das severas restrições impostas pelo regime. Filmagens dentro de carros emergiram como um refúgio simbólico e prático: um espaço onde conversas poderiam ocorrer sob o olhar de uma câmera, com menor risco de interferências da vigilância policial e da delação por parte de cidadãos.


Essa solução criativa e subversiva é central na obra de Abbas Kiarostami. Em O Gosto de Cereja, grande parte do filme se desenrola no interior de um carro, onde o senhor Badii conduz sua busca por alguém disposto a enterrar seu corpo sob uma cerejeira após tirar a própria vida.


Mas o que motiva Badii a contemplar tal ato? As respostas não são oferecidas de forma simples ou direta. Ao longo da narrativa, Badii dá carona a diferentes personagens, e os diálogos que se desenrolam no carro são tão variados quanto os indivíduos que ele encontra. Contudo, um olhar psicológico atento não se satisfaz com as razões explicitadas pelas palavras.


É necessário ir além do discurso e considerar o contexto em que ele emerge.

Ao observar o cenário árido e inóspito do Oriente Médio, combinado à opressão constante que pesa sobre o corpo e a alma de Badii, começamos a compreender as forças maiores em jogo — forças que transcendem as explicações oferecidas e que ressoam nas paisagens físicas e emocionais do filme.





 

MOTHER - A BUSCA PELA VERDADE


Título Original: Madeo

Direção: Bong Joon-ho

Roteiro: Bong Joon-ho e Park Eun-kyo

Elenco: Kim Hye-ja, Won Bin, Jin Goo


Sinopse: Uma mãe superprotetora vive com seu filho, Do-joon, um jovem com deficiência intelectual, em uma pequena cidade na Coreia do Sul. Quando uma jovem é encontrada morta e Do-joon é acusado do crime, sua mãe embarca em uma investigação desesperada e determinada para provar sua inocência.


Motivos para um psicólogo assistir: "Mãe é mãe, o resto é vaca" - Já dizia o provérvio.


Brincadeiras à parte, talvez Mother seja o melhor filme de Bong Joon-ho, diretor vencedor do Oscar nas categorias de Melhor Filme, Melhor Filme Internacional, Melhor Direção e Melhor Roteiro Original, pelo aclamado Parasita.


Alguns anos antes, ele dirigiu este filme repleto de elementos hitchcockianos, centrado em uma mãe determinada a encontrar provas para inocentar seu filho de um crime bárbaro. Além de retratar os sacrifícios diários dessa mulher e as dificuldades em buscar justiça para o filho, o longa não economiza em poesia, tornando ainda mais complexa e fascinante a relação entre mãe e filho. Essa conexão é sustentada por situações cômicas e absurdas que, paradoxalmente, traduzem com perfeição o amor incondicional dessa mulher.


Como um filme influenciado pelo mestre do suspense, Hitchcock, Mother oferece uma riqueza de elementos que nos convidam a refletir sobre as contradições da vida e sobre o que somos capazes de fazer para preservar nossa honra, dignidade e amor.



 

SOLARIS



Título Original: Солярис (Solyaris)

Direção: Andrei Tarkovsky

Roteiro: Andrei Tarkovsky e Fridrikh Gorenshtein (baseado no romance de Stanisław Lem)

Elenco: Donatas Banionis, Natalya Bondarchuk, Jüri Järvet


Sinopse: O psicólogo Kris Kelvin é enviado a uma estação espacial orbitando o planeta Solaris para investigar o comportamento estranho dos cientistas que lá trabalham. Ao chegar, ele descobre que o planeta, coberto por um vasto oceano, possui a capacidade de materializar as memórias mais profundas e dolorosas dos seres humanos, colocando-o frente a frente com questões de amor, perda e a natureza da consciência.


Motivos para um psicólogo assistir: Talvez eu prefira recomendar o livro que inspirou o filme, em vez da adaptação cinematográfica. O filme, dirigido por Andrei Tarkovsky, foca na questão da culpa carregada pelo protagonista, algo que o autor do livro, Stanisław Lem, criticou na adaptação. Lem via o foco do filme como uma redução da complexidade original de sua obra.


Ainda assim, a adaptação cinematográfica permite uma exploração profunda das questões humanas mais fundamentais, como a fragilidade da memória, os laços afetivos e, sobretudo, a limitação do nosso ponto de vista ao tentar compreender o outro.


O planeta Solaris, embora nem sempre visível ou mencionado diretamente, mantém uma presença quase onipresente ao longo do filme. Sua influência permeia tudo, revelando um poder inquietante de confundir a razão humana e desestabilizar nossas certezas.





 

Caetano Grippo (@caetano.grippo) é cineasta, escritor, artista plástico e coordenador do Espaço Rasgo. Formado pela Academia Internacional de Cinema e pela Belas Artes, acumula quase duas décadas de experiência como artista multidisciplinar.




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