Fui atropelado. Não há definição mais precisa. Não espero muito dos produtores da Netflix, com raras exceções. Contudo, ao final, fiquei impressionado. Talvez seja verdade que, para uma boa obra, muitas vezes seja preciso produzir duzentos produtos insignificantes – afinal, o capitalismo nos impõe esse modelo.
A série Adolescência é, em essência, uma tragédia. Embora muitos já tenham escrito textos exaustivos com respostas prontas sobre o problema que a série apresenta, insisto: não há resposta fácil para nada que é abordado. Pode se debater, citar sociólogos, mas a verdade é que não há solução simples.

Podemos até tentar encaixar as teorias impulsionadas pelas redes sociais para definir o que se passa com o protagonista, mas aquela narrativa foi construída para resistir a qualquer leitura despreparada. Qualquer tentativa de qualificar, quantificar ou definir é – não apenas contraproducente – mas também um exercício que vai contra o que a série propõe. Ou seja, seria somente a uma prática da moral ou da insensibilidade de quem faz parte desse problema.
Eu e você.
Você e eu.
A série aponta os sintomas de nosso tempo. Seja ao tratar da disseminação da cultura dos incels, ao citar o nome de influencers psicopatas, ou ao sugerir que a culpa recai sobre uma escola que mais se assemelha a um presídio – enquanto, ao mesmo tempo, denuncia a crise de autoridades – tudo isso são sintomas de um mal maior, enraizado em nossa cultura.

Sintoma, no sentido psicanalítico, como a expressão máxima de um problema profundo e difícil de encarar, que se manifesta de diversas formas, mas nunca de forma verbal. Um mal quase impossível de confrontar de frente e encontrar qualquer solução que pareça razoável. Para isso, teríamos de estar dispostos a encarar eventos que expressam aquilo que relutamos em admitir.
Seguindo o espírito do nosso tempo e as tendências cada vez mais presentes, podemos até querer rotular o garoto como um psicopata, considerando a forma como ele é apresentado no terceiro episódio e suas reações diante da psicóloga, sugerindo sérios problemas. Mas, em algum momento, questionamos a condução daquela sessão? A maneira como a profissional se apresenta, como tenta conquistar a confiança do garoto, como invade seu espaço?
Será que, em algum instante, encaramos aquele acesso de raiva como uma expressão genuína de seus afetos? "Você gosta de mim? Apenas responda: você realmente gosta de mim?" – Da incapacidade de um adolescente de organizar seu universo simbólico, de separar a influência daquela mulher e da autoridade que ela representa, em um indivíduo que se vê torturado pela necessidade de aparentar autossuficiência? Ou simplesmente categorizamos seu problema segundo os rótulos de um manual de diagnósticos?
No momento final do terceiro episódio, quando a câmera se afasta e vemos a psicóloga derrotada, deparamos também com nossa própria derrota. É impossível assistir àquela sessão sem reconhecer a incapacidade da psicologia – ou da profissional, engessada em seu objetivo de ver apenas o que deseja – como um instrumento a serviço de um sistema falho.

A encenação é soberba: ao se deparar com a fúria real do garoto, ela se afasta. Num primeiro instante, ela sente o impulso de agradá-lo, buscando um novo copo de chocolate quente com marshmallows. Mas, logo, desiste. Dirige-se à câmera de segurança, tentando captar algo. Mas o que procura? A câmera, que rege aquela situação, não revela o que ela deseja ver. Ela se encontra na própria perspectiva da profissional, como se nos dissesse que estamos sob seu olhar – e não o do assassino.
Seria completamente diferente se o episódio começasse pelo protagonista. Contudo, a encenação nos direciona a outro ponto de vista: observamos o protagonista pela ótica da psicologia que possuímos, pela perspectiva dessa profissional. E o resultado não poderia ser outro: uma profissional jovem que não dispõe de instrumentos para lidar com a situação.
O que será que ela escreveu em seu relatório?
Ela faz parte daqueles que defendem a diminuição da maioridade penal?
Embora esse não seja o foco, a provocação fica.

Encarar a fúria e a violência é reconhecer que nelas se expressa um sofrimento profundo. Mas será que somos capazes de olhar para o sofrimento do agressor sem sermos rotulados de complacentes? O jovem é um criminoso, mas reconhecer seu sofrimento é identificar o sintoma social – é enxergar a falência de toda uma cadeia de relações a serviço de algo maior.
E que algo maior seria esse? Tenho algumas respostas, mas prefiro deixar outra pergunta: quando você terá coragem de assumir sua responsabilidade na falência desse sistema?
Caetano Grippo (@caetano.grippo) é cineasta, escritor, artista plástico e coordenador do Espaço Rasgo. Formado pela Academia Internacional de Cinema e pela Belas Artes, acumula quase duas décadas de experiência como artista multidisciplinar.