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Foto do escritorCaetano Grippo

Death Note e a essência moral do fascismo

A animação é diretamente associada ao universo infantil. Quando amadurecemos, é difícil conseguirmos mantermos nossa atenção a esse universo, principalmente aos animes que possuem histórias longas e, algumas vezes, intermináveis. Mas, embora eu não seja um grande conhecedor do universo, admiro a profundidade que alguns desses desenhos possuem, principalmente nos questionamentos abordados sobre a condição humana, filosófica e moral.


O enredo de Death Note gira em torno de um caderno sobrenatural, o tal caderno da morte que cai nas mãos de um estudante do ensino médio chamado Light Yagami. Este caderno concede ao seu portador o poder de matar qualquer pessoa cujo nome seja escrito nele, desde que o portador visualize o rosto da vítima em sua mente enquanto escreve.

Inspirado por um senso de justiça própria, Light decide usar o Death Note para purificar o mundo, eliminando criminosos e tornando-se um "deus do novo mundo". No entanto, seu comportamento extremista chama a atenção de um misterioso detetive conhecido apenas como "L", e uma intensa batalha mental se desenrola entre os dois enquanto tentam superar um ao outro.


A visão de justiça de Light levanta debates éticos sobre os limites da moralidade e o papel do indivíduo na aplicação da justiça. Sua jornada é marcada por uma crescente megalomania e uma série de transformações psicológicas profundas, enquanto ele se afasta cada vez mais de sua identidade original para se tornar Kira, o justiceiro implacável. A análise cuidadosa das ações do protagonista nos convida a questionar até que ponto a justiça pode justificar meios extremos, assim como debatermos sobre a tênue linha entre a ideia de heroísmo e vilania.

A obra possue os elementos clássicos dos animes, mas para quem não está acostumado com a linguagem, se deparar com momentos que podem soar estranhos pode enriquecer a experiência, principalmente pelo fato desses elementos contribuirem fortemente para a experiência policial. Talvez esse seja um um gênero possível ao animé: policial.


Confesso que adoraria ver nos filmes ocidentais momentos em que nós, espectadores, pudéssemos acessar os pensamentos dos personagens. Imagine se o tempo congelasse e nos permitisse adentrar totalmente na subjetividade deles, em seus teatros internos, onde os eventos se desdobram de acordo com suas percepções da situação. No instante seguinte, teríamos acesso à contradição percebida pelo outro personagem no mesmo momento. Seria como os duelos clássicos de faroeste, mas ocorrendo em um campo psíquico, em uma realidade que transcende o mundo material.

A qualidade do desenho não se limita apenas à sua estrutura formal. O desenvolvimento da trama em si coloca os personagens em situações complexas que proporcionam uma dramaturgia formidável. Por exemplo, o protagonista, potencialmente destinado a se tornar um justiceiro divino, é filho do chefe de polícia encarregado da investigação dos assassinatos. O momento em que L e o pai de Light instalam câmeras de vigilância na casa do próprio chefe de polícia para investigar sua família é uma espécie de metáfora que desafia o senso de justiça da polícia como instituição. Parece que a obra está constantemente nos lembrando que a corrupção dessa percepção moral está sujeita a todo tipo de deturpação, sendo influenciada por valores diversos que a instituição familiar não consegue conter internamente.


"Death Note" transcende as fronteiras do entretenimento ao explorar uma miríade de questões filosóficas profundas. Por isso, faço o convite àqueles que não o conhecem. A análise cuidadosa dos temas de justiça, poder, identidade e livre arbítrio na série nos convida a refletir sobre as complexidades da condição humana e os dilemas morais que enfrentamos em nossas próprias vidas. Ao fazê-lo, "Death Note" se estabelece não apenas como uma obra-prima do entretenimento, mas também como um campo fértil para a exploração filosófica.


 

Caetano Grippo é cineasta, artista plástico e educador.


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