“Isolamento Mortal” e “Sozinha”: o horror mínimo de John Hyams
- Eric Campi
- 10 de abr.
- 4 min de leitura
Atualizado: 12 de abr.

Nem só de autores vive o cinema. Considerando certa gente que foi alçada a este lugar de “autor”, como por exemplo Christopher Nolan, seria bom até questionar a validade ou preferência do título. Às vezes, em vez de assistir ao filme de cineasta que expressa sua personalidade e sua visão de mundo através da arte, optar pelo diretor contratado, da mão de obra qualificada, seja a melhor escolha.
A minha mais recente descoberta de diretor “faz-tudo”, mais trabalhador da indústria do que autor, foi John Hyams, cujos últimos longas são dois dos melhores filmes de terror recentes. Ambos, inclusive, disponíveis no Prime Video.
O primeiro que assisti foi “Sick”, ou “Isolamento Mortal”, o retorno do roteirista Kevin Williamson ao slasher. Williamson escreveu o primeiro “Pânico” e continua ligado à franquia até hoje. Em “Sick”, ele troca a máscara de Ghostface por máscaras de proteção contra o coronavírus, já que a obra se passa no início da pandemia, em 2020. Na história, as amigas Parker (Gideon Adlon) e Miri (Bethlehem Million) decidem passar a quarentena na casa de lago da família de uma delas quando percebem que estão sendo perseguidas por um assassino.

Desde o começo fica claro que o trabalho de Hyams se sustenta no fazer do básico com excelência. A primeira sequência de assassinato é filmada em plano-sequência, escolha que já virou lugar-comum no cinema contemporâneo. Mas, é perceptível o cuidado com a encenação. No terror, a profundidade de campo - o que é possível ou não ver no fundo da cena - e o que está fora do quadro são essenciais. Wes Craven, com o próprio “Pânico”, já havia ensinado essa lição.
Neste plano-sequência, a presença do assassino vai se mostrando primeiro pelo extracampo e, depois, pela profundidade. Vemos o personagem, ao fundo, saindo de uma porta e, então, aproximando-se através do reflexo da televisão. Hyams opta por não utilizar um estabilizador, deixando os movimentos da câmera serem erráticos, frenéticos, sem nunca perder a clareza do que acontece. Afinal, estamos em um filme de terror pandêmico e a instabilidade e a ansiedade eram sentimentos constantes daquele momento.
O diretor não se coloca a serviço da inovação, mas da depuração do já estabelecido. Ele, inclusive, segue à risca a regra do cinema clássico de ter a tela como uma transparência, uma janela para um mundo, em que a câmera é sempre colocada no melhor ponto possível para a melhor visão da cena. Nem que para isso, no caso de sequência inicial de “Sick”, ele tenha que pular o eixo. Só se quebra a regra uma vez que saiba utilizá-la com perfeição.

A partir desta ideia de depuração, talvez dê para caracterizar o estilo de Hyams como minimalista. “Sick” é basicamente uma grande sequência de invasão, só desviada pelos tiques roteirísticos típicos de Williamson. Já o outro terror recente do cineasta, “Sozinha”, não tem nada para além da perseguição sofrida pela protagonista. E isso é um elogio.
No filme, durante uma viagem de carro, Jessica (Jules Willcox) é perseguida por um maluco sequestrador. E é isso do começo ao fim. Uma obra tensa e direta em todos os sentidos. Narrativamente, é até inesperado, por exemplo, como o filme não perde tempo enrolando para mostra a primeira tentativa de fuga da protagonista na cabana. Tudo acontece muito rápido para que o filme volte a se movimentar e correr.
Formalmente, cada escolha de Hyams é simples e efetiva. De novo, a noção de ponto de vista e o ótimo uso do espaço são essenciais. Ou o vilão ou a protagonista estarão sempre se esgueirando pelo fundo do quadro. O que eles veem ou deixam de ver é importantíssimo para o jogo de gato e rato e para a criação de tensão. O suspense é inteiro construído a partir da distância entre os atores e entre atores e câmera. No início, por exemplo, não vemos o rosto do sequestrador porque ele está sempre longe e a câmera está sempre grudada em Jessica.

É bastante impressionante como o filme cria cenas tão impactantes com o mínimo. Cada elemento formal, por mais básico que seja, está lá com excelência e utilizado para seu maior efeito. Quando Jessica está se escondendo na água, a metros da arma do assassino que discursa tentando desestabilizá-la, o simples jogo entre campo e contracampo, entre o os rostos de cada ator, é a escolha exata para enervar o espectador. Em outra cena, o procedimento básico de trocar o foco da câmera para diferentes pontos no espaço é o suficiente para aterrorizar com o receio de que o vilão pode estar em algum daqueles lugares.
Em resumo, o que John Hyams apresenta é o controle total e o uso depurado dos elementos formais do cinema. Ele consegue com pouco (inclusive em relação a orçamento) o que os nomes de grife do terror ou do cinema de ação não conseguem com muito. Porque, muitas vezes, o que esse pessoal de nome tem é, justamente, só nome. E, como diria Theodor Adorno, a indústria cultural não existe apenas com o consumo de massa, mas também com o gosto nichado, cult, “elevado”. Ela também transforma em produto, só que nesse caso um produto de “alto padrão”, o que parece ser diferente do modelo de consumo.
O título deste texto é até sarcástico, tentando passar uma impressão de marca autoral para um diretor que é, na verdade, apenas mão de obra (muito) qualificada. Colocar o título de autor num cineasta pode ser só a tentativa de vender uma marca. O que a propaganda quer, no capitalismo, é o consumo acrítico que gera lucro. Da mesma forma que, no Brasil, vende-se que o “Agro é Pop” e alimenta nossa população enquanto, na verdade, 70% dos alimentos consumidos no país vem da agricultura familiar, às vezes é bom abrir mão, no cinema, dos grandes nomes da indústria e aproveitar as obras dos pequenos produtores, do trabalhador “faz-tudo”, do artesão qualificado.
Eric Campi (@ericcampi_) é jornalista e pós-graduado em Audiovisual. Já trabalhou em diversos veículos de jornalismo cultural, como na Revista CULT e nos sites Wikimetal e MadSound.
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