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O Brutalista e a Sobrevivência dos Vagalumes | Crítica

Existe a ideia de que uma pessoa com domínio técnico é, por definição, um artista – quanto mais sua pintura se assemelha à impressão de uma Plotter HP DesignJet, melhor. Para muitos, esse é o critério essencial. Eu, porém, tenho outra concepção do que significa ser artista. Este texto, contudo, não se propõe a definir o artista; não tenho essa pretensão nem competência. Geralmente, quem tenta fazê-lo adota um discurso autoritário camuflado.


Mas, como artista – termo que sou constantemente forçado a reafirmar em minhas redes sociais – talvez eu consiga responder à pergunta: por que um determinado artista faz a arte que faz? Ou, melhor, qual a necessidade que o impulsiona a criar aquela arte com suas características singulares? Naturalmente, qualquer psicanalista diria que, de certa forma, falo também das minhas próprias necessidades.



Sofremos violência constantemente. Não se trata apenas do artista, mas de qualquer ser humano. Vivemos em uma sociedade com seu próprio funcionamento, na qual um grupo de pessoas define e reproduz os valores culturais – ora de forma natural, ora por meio de acordos nebulosos ou das leis estabelecidas.


Em Je Vous Salue, Sarajevo, Jean-Luc Godard afirma que a Cultura é a Regra e a Arte a Excessão, e que a regra deseja a morte da excessão. Não poderia ser mais preciso sobre o mundo que vivemos.


Estamos imersos em um jogo de força e dominação, de controle, ordem e eliminação. Se quiser negar tais afirmações, boa sorte – tenho certeza de que irá falhar. E, enquanto você falha, terei argumentos para mostrar que, através da sua argumentação, tenta me convencer a adotar sua visão, assim como eu tento, por vezes, influenciar outras opiniões. Essa é a relação do mundo; essa é a violência inerente a toda relação.


A necessidade de se fazer arte, exemplificada pelo personagem László Tóth – o arquiteto brutalista – surge justamente de sua condição de existir. Expulso de seu país de origem, ele é lançado em um novo cenário onde, primeiramente, precisa sobreviver e, com muita sorte, existir quando alguém o aceita. Eis a dualidade: sobreviver e existir.



Essa dualidade é apresentada de forma magistral logo no início de um filme, com uma cena aparentemente simples que nos acompanha durante toda a obra. László é despertado em meio a gritos, empurrões e a um formigueiro de pessoas em busca de uma saída. Em que lugar estamos?


A trilha sonora reforça a marcação ritmada do tempo, como os trens, e o sofrimento estampado no olhar de László nos tensiona, preocupando-nos com o destino que aguarda aquele personagem. Um comboio de pessoas? Judeus? Será que o destino final seria um campo de concentração?


O que trago aqui é uma tentativa – talvez imperfeita – de traduzir um sentimento. Esse sentimento, essa dúvida, essa angústia nos atravessa. E quando a resposta surge, há um certo alívio. A estátua da liberdade, de ponta-cabeça, incapaz de se estabilizar, balança diante dos nossos olhos ao som de uma música que evoca a presença de um grande super-herói redentor… pronto. A linguagem cinematográfica estabeleceu a contradição, os elementos de comparação, sem que percebêssemos a grande disparidade entre imagem, encenação e trilha sonora.



Não descarto uma obra com técnica impecável; descarto a arte que se resume à grandiosidade técnica. No filme, a técnica está a serviço do discurso. Compreender o processo de criação cinematográfica enriquece o discurso, mas o restante se estabelece de outras formas, sobretudo pelo campo racional que se revela ao final, justificando as motivações do arquiteto.


Essa simbiose entre técnica e discurso é exatamente o que László representa como artista. Um homem sábio, detentor de uma técnica inovadora, consciente de sua condição de imigrante e de como é tratado como um instrumento utilitário, cuja existência só é valorizada quando é visto como útil. Esse discurso, além de ser verbalizado, transparece nos olhos do personagem e nas escolhas dos enquadramentos – que contrastam o profundo respiro quando László serve a Harrison Lee Van Buren com os planos claustrofóbicos, onde uma família se espreme para sobreviver naquele país.


Trata-se de um filme sobre servidão, sobre as relações de exploração que se instauram em um sistema que exige estar sempre a serviço de alguém para ter, no mínimo, a condição de existir. Só se existe quando se serve; caso contrário, sobrevive-se como se pode.


Daí a necessidade de se fazer arte: o embrutecimento como forma de resistência, a arquitetura como subterfúgio para proteger aqueles que amamos, um escudo onde o nosso amor possa residir. Esse é o objetivo final do arquiteto. Esta é sua poética.


É por isso que fazemos arte, e escrevemos sobre ela. Continuar falando é, de certa forma, continuar existindo – fazer algo que amamos e perpetuá-lo no tempo, ao menos enquanto estivermos presentes nesta terra.


Isso me remete à metáfora dos vagalumes de Pier Paolo Pasolini, descrita em um artigo de 1975, Il vuoto del potere in Italia (O Vazio do Poder na Itália), publicado no Corriere della Sera. Nesse texto, ele utiliza a imagem dos vagalumes para comentar a destruição da cultura popular e a ascensão de um novo tipo de poder, mais sutil e totalizante.


Pasolini recorda que, em sua juventude, via inúmeros vagalumes no campo à noite, mas que, com o tempo, eles desapareceram devido à poluição e às mudanças ambientais. Para ele, esse desaparecimento simbolizava o fim de uma Itália rural e tradicional, substituída por uma sociedade de consumo imposta pelo neocapitalismo – uma realidade que não apenas apagava a cultura popular, mas também eliminava as possibilidades de resistência e transformação.


O conceito dos “vagalumes” foi posteriormente resgatado pelo filósofo Georges Didi-Huberman em seu ensaio Sobrevivência dos Vagalumes, no qual ele reflete que, mesmo diante das forças opressoras, ainda existem pequenos pontos de luz e resistência – os vagalumes podem ter diminuído, mas nunca desapareceram por completo.


E assim, resistimos.

 

Caetano Grippo (@caetano.grippo) é cineasta, escritor, artista plástico e coordenador do Espaço Rasgo. Formado pela Academia Internacional de Cinema e pela Belas Artes, acumula quase duas décadas de experiência como artista multidisciplinar.

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