O curta-metragem O Olhar de um Dia, dirigido por Felipe Terra, é uma obra que se destaca pela sutileza com que aborda temas densos e universais. Produzido em 2013, sem nenhum investimento e com o esforço de uma equipe determinada, o filme conquistou espaço em festivais e no imaginário de quem o assiste, ao explorar as memórias de um garoto que revive um trauma. O olhar de Terra é primoroso ao contar sua história através de uma narrativa sensorial e minimalista.
Filmado em preto e branco, a estética da obra é um dos seus pontos altos. A escolha cromática ressalta a atmosfera melancólica e introspectiva, criando um contraste entre a inocência da infância e o peso do trauma. O enredo acompanha um menino que, ao encontrar uma pipa em um terreno baldio, é levado a reviver um episódio violento que marcou sua vida. A trama, apesar de simples, é rica em camadas emocionais e visuais, convidando o espectador a uma reflexão profunda sobre memória e resiliência.
O diretor Felipe Terra demonstra maturidade ao construir uma narrativa que dialoga com o realismo social sem recorrer ao sensacionalismo. A periferia da Grande São Paulo, onde a história se desenrola, é retratada com autenticidade. A paisagem, os sons e os silências compõem um cenário que é tanto palco quanto personagem da trama.
O trabalho da montagem é essencial para a estrutura não-linear da narrativa, que intercala presente e passado de forma fluida, reforçando a ideia de que memórias não são lineares, mas fragmentadas e sensoriais. Felipe Terra, por sua vez, foi premiado como Melhor Diretor no FilmWorks Filme Festival de 2014, reconhecimento merecido por sua capacidade de transformar uma história aparentemente simples em uma experiência cinematográfica rica e impactante.
O elenco também merece destaque, especialmente pela participação de MC Jottapê, que na época ainda era um menino. MC Jottapê, nome artístico de João Pedro Correia de Carvalho, é um cantor, compositor e ator brasileiro que se destacou no cenário do funk paulista. Nascido em São Paulo, Jottapê começou sua carreira artística ainda jovem, atuando em produções audiovisuais, mas foi com sua música que alcançou reconhecimento nacional. Suas letras misturam temas do cotidiano, festas e conquistas, conectando-se especialmente com o público jovem. Além disso, ganhou projeção internacional ao protagonizar a série "Sintonia", da Netflix, que explora a cultura das favelas e o universo do funk. Com seu estilo carismático e uma presença marcante, MC Jottapê é visto como um dos expoentes de sua geração no funk brasileiro, sempre inovando e ampliando sua influência na música e no entretenimento. Sua atuação no filme de Felipe Terra transmite uma vulnerabilidade autêntica e emocionante, contribuindo para a profundidade emocional da história. Já nos primeiros passos da carreira, Jottapê demonstrava o talento que mais tarde o tornaria uma figura de destaque.
Outro marco importante para O Olhar de um Dia foi sua seleção para a Mostra Tiradentes. Este é um espaço dedicado a destacar produções de relevância artística, e o curta provou ser um exemplo notável de como o cinema pode dialogar com o a realidade do cotidiano, sem perder sua capacidade poética, que atrai o espectador de diversos contextos. O curta evidencia a potência do cinema como ferramenta para dar visibilidade a histórias muitas vezes esquecidas ou marginalizadas. O Olhar de um Dia não é apenas um filme sobre memórias dolorosas; é também um retrato da infância e da humanidade em contextos adversos.
Felipe Terra, que mais tarde dirigiria outros trabalhos como Homem na Estrada, demonstra-se um cineasta sensível às narrativas que emergem do cotidiano, o que nos faz querer ver mais do seus trabalhos e da sua capacidade de construir imagens únicas. Neste curta, ele entrega uma obra que é, ao mesmo tempo, um exercício estético e um ato de resistência poética.
Espero que goste do filme tanto quanto eu.
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