O gênero cinematográfico de Horror possui um extenso histórico de machismo por trás e em frente às câmeras, utilizando com frequência personagens femininas rasas e hiperssexualizadas feitas para agradar somente ao olhar masculino. Porém, à medida em que as mulheres se inseriram como autoras dentro do Horror, modificando a indústria cinematográfica, a representação feminina dentro do gênero também se transformou. Diversas autoras começaram a utilizar-se de figuras monstruosas para traduzir problemas sociais que mulheres enfrentam cotidianamente: repressão sexual, padrões de beleza inalcançáveis, ansiedade em relação ao casamento e à maternidade, dentre outros tantos.
A lista a seguir conta com 8 filmes dirigidos por mulheres que trazem uma representação diferenciada da figura feminina, criando personagens complexas dentro de narrativas que discutem diversas problemáticas sociais.
1. A ATRAÇÃO (Córki dancingu)
2015
IMDb: 6,3
Diretora: Agnieszka Smoczynska
Escritora e cineasta polonesa, é conhecida por "Fuga" (2018) e "Aria Diva" (2007).
SINOPSE: Musical do gênero horror, o filme conta a história de duas sereias irmãs que têm de fazer escolhas cruéis quando uma delas se apaixona por um humano.
No longa de terror musical “A atração”, Golden e Silver são duas sereias que começam a se apresentar em uma casa de shows, e enquanto Silver se apaixona por um garoto e aos poucos vai abrindo mão de sua monstruosidade, Golden sente no gosto da carne humana, a sua liberdade e poder. Neste filme, o uso das deformações e transformações animalescas como espetáculos é muito bem representado, sendo um dos pontos importantes para discutir a monstruosidade feminina dentro do gênero.
2. RAW (Grave)
2015
IMDb: 7,0
Diretora: Julia Ducournau
Diretora e roteirista francesa, estudou em La Fémis e produz filmes com a temática do corpo, dentro do gênero de horror. O filme "Raw" foi exibido no Festival de Cannes de 2016 e ganhou prêmios como Best Feature Film (melhor filme de estreia) no London Film Festival.
SINOPSE: Justine era vegetariana até que, em seu primeiro ano de faculdade, aos 16 anos, experimenta carne pela primeira vez e a ação provoca grandes mudanças em sua vida.
Explorando temas como sexualidade, as diferenças entre as gerações de mulheres de uma mesma família e a autonomia da personagem principal, “Raw” utiliza-se do canibalismo para representar questões identitárias femininas e discutir acerca do que é ser mulher e do que isto significa dentro de uma sociedade fundamentalmente patriarcal. Como declarou a diretora Julia Ducornau sobre o canibalismo: “Algumas tribos o praticam ritualmente, sem sentir vergonha. Você tem essa sensação ao morder o braço de alguém por diversão, a de querer ir um pouco mais longe, mas não o faz por causa de seus preceitos morais. Esta coisa está em nós, mas, simplesmente, não a queremos enxergar. Então pensei, já que minhas personagens se sentem, no fundo, como monstros, eu queria que a audiência se sentisse como um monstro, e entendesse o que ela está fazendo. Por que somos todos monstros, na verdade.”
3. AS BOAS MANEIRAS
2017
IMDb: 6,8
Diretora: Juliana Rojas
Cineasta brasileira formada pela USP, realizou junto de Marco Dutra o curta-metragem "O lençol branco" (2004), que foi incluído na mostra Cinéfondation do Festival de Cannes. Seu longa "Sinfonia da Necrópole" (2014) ganhou o Prêmio da Crítica de Melhor Longa Brasileiro no Festival de Gramado.
SINOPSE: Uma enfermeira é contratada por uma mulher rica e misteriosa para ser babá do filho que está para nascer. Logo, ela percebe que há algo de errado com a criança -
e também com a mãe.
Em “As boas maneiras” (2018), a trama inicia-se com Ana, uma mulher rica, que por estar grávida acaba por contratar Clara, uma enfermeira negra da periferia, para trabalhar em sua casa e realizar os afazeres domésticos. As duas se envolvem em um romance, e a chegada do bebê, um lobisomem, significa também a partida de Ana. Clara assume a responsabilidade de criar e cuidar da criança, que se transforma em lobisomem nas noites de lua cheia. Aqui, o monstro funciona como uma metáfora para traduzir invisibilidades sociais.
4. RELIC
2020
IMDb: 6,0
Diretora: Natalie Erika James
Diretora e assistente de direção, realizou os curtas-metragens "Creswick" (2017) e "Drum Wave" (2018).
SINOPSE: Quando Edna desaparece, sua filha e neta viajam para a casa da família para encontrá-la. ao chegarem lá, percebem que algo está assombrando a casa e a própria senhora.
“Relic”, o filme mais recente da lista, recorre ao terror psicológico para mostrar uma problemática que percorre gerações de mulheres da mesma família. A loucura associada às mulheres idosas e como estas podem ser vistas como inúteis perante à sociedade, as doenças psiquiátricas e como estas afetam as mulheres de uma maneira diferente, o envelhecimento e os cuidados maternais - estes são alguns dos temas explorados pelo filme, que além de contar com a direção de uma mulher, conta com um elenco praticamente inteiro feminino.
5. GAROTA SOMBRIA CAMINHA PELA NOITE (A Girl Walks Home Alone At Night)
2014
IMDb: 7,0
Diretora: Ana Lily Amirpour
Roteirista, atriz, produtora e diretora inglesa com ascendência iraniana. Seu primeiro longa estreou no Festival Sundance de Cinema de 2014.
SINOPSE: Na cidade fantasma iraniana Bad City, uma vampira solitária passa a noite perseguindo pessoas.
Em “Garota sombria caminha pela noite” (2014), a monstruosidade feminina está presente como uma forma de desafiar os estritos códigos de nacionalismo e religião, desconstruindo noções de pureza, patriotismo e masculinidade. A vampira, que é chamada de “Garota” o tempo todo, não demonstra fome ou necessidade de sangue humano, ela seleciona suas vítimas e tem critérios: mata homens que fazem maldades contra as mulheres.
6. THE LOVE WITCH
2016
IMDb: 6,2
Diretora: Anna Biller
Cineasta norte-americana cujo tema central de seus filmes é o feminino. Dentre seus trabalhos estão o curta "A Visit from the Incubus" (2001) e o longa "Viva" (2007), protagonizado pela mesma. Anna não só dirigiu, como também escreveu, produziu, editou, fez os figurinos e a trilha sonora em "The Love Witch".
SINOPSE: Elaine, uma bela e jovem bruxa, usa feitiços e magia para fazer homens se apaixonarem por ela, o que traz consequências mortais.
Utilizando-se da estética erótica dos anos 70, a diretora Anna Biller nos apresenta a história de uma bruxa que faz um feitiço para os homens se apaixonarem por ela, e quando o feitiço dá certo, eles literalmente morrem de amores. O filme tem um tom de humor que brinca com estereótipos de gênero e estereótipos do próprio Horror: a bruxa, a mulher que faz tudo pelos homens, dentre outros estereótipos nocivos. De acordo com a diretora, seu objetivo é trazer a visão das mulheres para o universo cinematográfico.
7. GAROTA INFERNAL (Jennifer's Body)
2009
IMDb: 5,2
Diretora: Karyn Kusama
Norte-americana, faz filmes independentes como "The Invitation" (2015), disponível na Netflix, e "O Peso do Passado" (2018), estrelado por Nicole Kidman.
SINOPSE: Jennifer é uma líder de torcida que, ao ser possuída por um demônio, começa a matar garotos.
“Garota Infernal” nos introduz a personagem principal Jennifer, uma garota do ensino médio, que ao ser possuída por um demônio, desenvolve um apetite voraz e começa então a devorar inúmeros garotos de sua escola. Explorando o binômio entre sexo e violência, “Garota Infernal” é um coming of age que mostra como amadurecer pode ser um processo visceral para uma mulher, que ao viver o despertar sexual e as mudanças em seu corpo, podendo tornar-se uma aberração para si mesma.
8. O BABADOOK (The Babadook)
2014
IMDb: 6,8
Diretora: Jennifer Kent
Escritora e diretora australiana, começou sua carreira como diretora em "O Babadook". Seu segundo longa, "The Nightingale" (2018), estreou no 75º Festival Internacional de Cinema de Veneza.
SINOPSE: Amelia, viúva e ainda de luto pelo marido, precisa lidar com o medo que seu filho possui de monstros e criaturas fantásticas. No entanto, ela logo percebe que de fato há uma sinistra presença em sua casa.
Em “O Babadook”, somos apresentados aos problemas relacionados à maternidade, depressão, e à luta para lidar com a perda de alguém. A narrativa traz à tona as dificuldades que uma mãe passa ao lidar com o comportamento de seu filho após a perda trágica de seu marido. Todas as tensões entre mãe e filho, e o medo em si, os conflitos psicológicos pelos quais ambos estão passando, tudo isso é materializado em um monstro chamado “Babadook”, que reside nos pesadelos da criança e os assombra. Este é mais um exemplo de filme onde podem ser feitas várias leituras a partir da metáfora que o personagem monstro nos traz.
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Autora: Rafaela Germano é Cineasta, artista visual e pesquisadora. Graduada em Cinema e Audiovisual pela UFES e mestranda de Comunicação pela UFPE. Realiza pesquisas sobre Cinema de Horror sob a perspectiva feminista, tendo criado o site “Mulheres no Horror”.
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