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Foto do escritorEric Campi

Os melhores filmes vistos em 2024

Alguém uma vez disse que é possível passar a vida assistindo filmes sem nunca precisar ver algo recente. Afinal, vai aí quase um século e meio de história do cinema dependendo de qual “início” considerarmos. Uma história que, é importante salientar, vem sendo apagada pela falta de preservação e dificuldade de acesso que o streaming piorou de vez.

Torna-se essencial, então, discutir esses filmes, trazê-los à tona e se utilizar de todo e qualquer espaço para fugir um pouco dos ditames do mercado e do agora. Listas de melhores do ano existem aos montes (eu mesmo fiz uma aqui, para quem se interessar). Proponho, portanto, uma lista diferente, mas de regras simples: os melhores filmes vistos em 2024 que não sejam recentes.


Uma das coisas mais interessantes desse exercício de descobrir o passado é poder enxergá-lo de fora, puxando fios e escavando interesses que, no calor do momento, eram menos perceptíveis. Assim, preferi selecionar alguns filmes que servissem para pensar assuntos que têm me interessado, ou que por algum motivo puderam estar em pauta recentemente. Dessa forma, também consegui trapacear e propor “sessões duplas”, indicando mais do que os 10 filmes combinados. Lembrando que não há ordem de preferência.

Espero que gostem das recomendações e que elas proporcionem bons debates!


“Interlúdio” (1946), de Alfred Hitchcock



Nazistas no Brasil. Filmado por Alfred Hitchcock. “Interlúdio” tem, como apontou Luiz Carlos de Oliveira Jr. em sua tese “Vertigo, a teoria artística de Alfred Hitchcock e seus desdobramentos no cinema moderno”, a imagem síntese do cinema de Hitchcock: o plano de grua que vai do geral ao plano detalhe. A câmera de Hitchcock sempre procura, numa situação aparentemente normal, o que há de errado, de escondido.


Curioso que, em 1946, era preciso uma investigação formal e narrativa para encontrar os nazistas pintados de verde e amarelo. A extrema-direita de hoje, ao contrário, explode às vistas de todos vestida de Coringa. De Hitchcock à DC Comics e Marvel.

De toda forma, o que Hitchcock tem de mais absurdo é que suas investigações são sempre apaixonantes, emocionantes. Essa é a genialidade.


“Conan, o Bárbaro” (1982), de John Milius



Pablo Marçal, Bolsonaros, Nikolas Ferreira. Quando não há mais ideais de masculinidade, figuras exemplares, são essas as fantasias masculinas que geram empatia, aparentemente. Seria bom podermos voltar a “Conan, o Bárbaro” para tirar pelo menos duas lições:


A primeira é que o homem, este brutamontes super-humano, passa a vida lutando pelos outros. Pela mãe, pelo pai, pelos amigos e companheiros, pela mulher. Por seu povo. A luta é sempre por libertar a si e a todos de seus grilhões. Isto é amadurecer. A horda individualizada, que segue cegamente seus mestres na luta por trucidar uns aos outros numa concorrência assassina e necrófila, de todos contra todos, é coisa de moleque. Moleques como Pablo Marçal, os Bolsonaro, Nikolas Ferreira.


A segunda é que a fantasia permite sonhar, permite idealizar, permite a utopia, já o realismo fetichista do século XXI é alienante e burro. A fantasia dos anos 80 nos deu Conan, nos deu o épico operístico de John Milius, a narrativa contada como música pela montagem e coreografada pela encenação. O fetiche realista, que também é um positivismo cientificista de Serjão Foguetes, nos deu Homem de Ferro e Elon Musk, que são a mesma coisa, aliás.


“Duro de Matar 3: A Vingança” (1995), de John McTiernan


Continuando na busca pela masculinidade longe de incels e redpills, outra figura essencial é John McClane. O primeiro “Duro de Matar” era sobre fazer as pazes com a esposa, enfrentando o mundo e a geopolítica para isso. Os milagres de Natal do último romântico.


O que John McTiernan faz no terceiro longa, já perto da virada do milênio, é colocar este personagem nas maquinações da aleatoriedade. Estamos na pós-modernidade, não é mesmo? A superfície é enganadora, os motivos confusos. A roda do destino, aqui composta por trens, caminhões de lixo, aquedutos e navios, é avassaladora contra tudo o que está pelo caminho. McTiernan constrói símbolos como ninguém e tem controle total da ação – a virada para o ponto-de-vista do vilão é uma sequência absolutamente genial, construída precisamente num tom que vai ficando cada vez mais escabrosamente maior. Além de “Mad Max”, “Duro de Matar”, Michael Mann e Tony Scott, quem mais em Hollywood definiu tão bem o que seria o bom blockbuster de ação do século seguinte?


“Gremlins” (1984) e “Gremlins 2: A Nova Geração” (1990), de Joe Dante


O ser-humano é bom, a sociedade americana o corrompe. É o anti-Trumpismo antes de Trump ser presidente: critica a sinofobia, ufanismo, chauvinismo e a estupidez estadunidense.


Joe Dante é daqueles contrabandistas maiores, como Paul Verhoeven, que se utilizam das estruturas, engrenagens e ensinamentos da indústria para passar suas mensagens subversivas. Com os gremlins, esses monstrinhos-espelhos, Dante mostra a verdadeira face deturpada do sonho americano, de Frank Capra e Steven Spielberg, do cinema como um todo, do capitalismo.


“Psicose II” (1983), de Richard Franklin


Vendo “Psicose II” fica mais fácil entender o que tem de errado com esse terror referente que tem dado frutos como “Maxxxine” (2024). Este é um filme que está, o tempo todo, citando Hitchcock, apostando na autoconsciência e no reconhecimento por parte do público. Mas, ele nunca é cínico nas suas intenções e todo o jogo serve para potencializar os códigos do gênero. Ou seja, é um baita filme de suspense. Que de quebra vê Norman Bates e sua condição com muito carinho e compreensão.

É um filme que acredita em tudo o que diz, conta e mostra. O oposto da nossa geração de descrentes que consome tudo ironicamente.


“Massacre da Serra Elétrica 2” (1986), de Tobe Hooper


Mais uma continuação de um clássico supremo do terror, “Massacre da Serra Elétrica 2” vai para um caminho quase oposto de “Psicose II”: o do desrespeito. Hooper praticamente refaz o primeiro filme como sátira, o que torna tudo ainda mais perturbador. É o oposto, também, do que acontece com Denis Quaid em “A Substância” (2024), por exemplo. Lá, o resultado é um abobalhamento do personagem, que quase tira a culpa dele aos olhos do público. Aqui, o humor nojento desumaniza para o outro lado, para o grotesco, monstruoso, sádico.


Nesse ponto, lembra o que “Terrifier 3” e “Sorria 2” fizeram este ano, tratando da total falta de essência, de humanidade no capitalismo tardio. Não é coincidência que nos anos 1970 e 1980, os anos de teste e expansão do neoliberalismo, Hooper já tinha mostrado que estamos todos caminhando para o moedor.


“A Orgia da Morte” (1964), de Roger Corman


“A Orgia da Morte”, décadas antes de Tobe Hooper, utilizou-se de outros códigos do horror para tratar do declínio moral, econômico e religioso das elites: a literatura gótica e os filmes de monstro hollywoodianos. Deturpar, desvirtuar, corromper o Cristianismo em Satanismo, a inocência em depravação, o humano em animalesco.


Corromper as formas do melodrama, do épico religioso, do cinema clássico dos anos 50 (com o Technicolor, o Scope, o anamórfico) no filme B de terror, numa deformação modernista, decadente, que assume o espetáculo através de seus elementos sombrios, do mergulho no desconhecido.


Não se joga mais xadrez com a morte, mas Tarô.

Coisa que o Roger Corman, o Mario Bava e o Dario Argento entenderam: o gótico, como concepção estética/arquitetônica, é pura demonstração de poder religioso e riqueza; vitrais e rosáceas. Ou seja, luz e cor.


“Police Story - A Guerra das Drogas” (1985), de Jackie Chan


Na coluna “A Volta ao Mundo em 80 Eleições”, na Revista piauí, a pesquisadora Marina Slhessarenko Barreto conta que, até alguns anos atrás, um país antecipar suas eleições era algo raríssimo. Em 2015, para surpresa de todos, ocorreram duas desta forma. Este ano, foram dezoito.


Os sistemas político-econômicos ocidentais estão em declínio acelerado. As pessoas percebem, mesmo que inconscientemente, que no neoliberalismo não há Estado possível que faça algo por elas e a competição é geral e desmedida. Para muita gente, um falso self-made man como Trump é melhor do que um falso democrata que financia Israel, como Biden. Pelo menos um deles finge que te fará enriquecer.


O ponto é que a chamada “democracia” liberal, que nunca foi uma democracia de fato (ou alguém discorda que o requisito MÍNIMO para chamar um sistema de “poder do povo” seja que TODAS as pessoas tenham acesso irrestrito à moradia, alimentação e saúde?), esfacela-se enquanto pouca gente tem comentado qual sistema continua firme e forte, produzindo como nenhum outro, estendendo sua influência pelo globo e garantindo, ano após ano, uma melhora de vida inquestionável para sua população: o chinês.


É mais fácil imaginar o fim do capitalismo do que o fim do mundo, mas sabemos bem que guerras costumam mudar os polos de poder global e consolidar sistemas. Com os países da Otan em conversa para aumentar seus gastos com “Defesa” para 3% do PIB, talvez estejamos presenciando mudanças abruptas. Com a Segunda Guerra Mundial, os EUA aproveitaram para distribuir e garantir o monopólio do cinema americano por todo o mundo. Se houver uma terceira, será a vez do maravilhoso cinema chinês tomar lugar.


Dito isso, se a China suceder os EUA, é preciso apontar: o sucessor de Buster Keaton é Jackie Chan. É ele a quem o mundo espanca, mas que continua firme. É ele quem se mata pela arte.


“As Bruxas de Eastwick” (1987), de George Miller


Em ano de “Rivais” (2024), a melhor cena de um jogo de tênis que alegoriza o jogo de poder de relacionamentos amorosos continua sendo a de “As Bruxas de Eastwick”.

Miller é outro contrabandista nato se apropriando dos aparatos da indústria (o cinema fantástico, Cher, Jack Nicholson, John Williams) para esfaqueá-la. Com um sorriso no rosto.


Comparar com o filme de Luca Guadagnino me parece apropriado também para demonstrar que aquele só é um filme tesudo para uma sociedade que já não se relaciona, não fode, não se suja. Joguinho de puro ego individualista. Mas, parece que ver três pessoas dando uns beijinhos mequetrefes tem atiçado geral.


“As Bruxas de Eastwick”, mesmo não mostrando um milímetro a mais de pele, exala sexo. Tudo está por baixo dos panos, revelando muito pouco, mas sempre sensual. A guerra dos gêneros que o filme propõe é voraz, disruptiva, caótica. É hilária, acima de tudo.


“O Fundo do Coração” (1982), de Francis Ford Coppola



Para Byung-Chul Han, a Sociedade Disciplinar de Foucault avançou para uma sociedade em que o controle é exercido também de si para si mesmo. É o “Yes, we can”, “esforce-se que você consegue”, “tenha, consuma, faça”, “seja”. O que nos prende cada vez mais em nossas bolhas narcísicas, egocêntricas, fechadas para o mundo e para os outros. É cada vez mais difícil, então, relacionar-se.


O amor proletário está, portanto, condenado? Certamente ele é mais difícil, segundo Coppola. Mas ele não chega nas mesmas conclusões que Todd Phillips chegou em “Coringa 2” (2024), em que o amor nos tempos da decadência é pura fantasia e falsa performance. Enquanto o filme do palhaço pensa no musical e no romance como negação, como destruição de símbolos e gêneros cinematográficos, “O Fundo do Coração” pede por uma fantasia, uma idealização da vida de cão.


Mas o musical não é o ópio do povo, porque ele não é alienante. Ele romantiza para impressionar, para confortar e para unir, não para afastar. Cada neon, cada artificialismo do filme está lá para construir uma utopia possível.

O cinismo e o individualismo destroem. O sonho, a união, constroem. Contra um sistema alienante, o amor sempre será revolucionário.


 

Eric Campi (@ericcampi_) é jornalista e pós-graduado em Audiovisual. Já trabalhou em diversos veículos de jornalismo cultural, como na Revista CULT e nos sites Wikimetal e MadSound.


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