A sensibilidade é frequentemente mal compreendida. Muitos associam essa qualidade à fraqueza, à falta de firmeza ou até mesmo à vulnerabilidade. No entanto, essa visão é simplista e equivocada. A sensibilidade é, na verdade, uma das ferramentas mais poderosas que temos para acessar o que há de profundo na experiência humana. Ser sensível não é apenas um traço, mas um ato de coragem. Envolve permitir que o mundo nos toque, que os sentimentos e as experiências penetrem em nossa pele, mesmo quando isso significa nos expor a emoções que outros evitariam. É através dessa abertura que podemos enxergar o que a racionalidade não alcança, aquilo que é invisível.
Em muitas esferas da vida, somos condicionados a acreditar que força é sinônimo de resistência ou de controle sobre a própria vida. Somos incentivados a ocultar nossas reações e minimizar nossos sentimentos. No entanto, essa definição de força é limitada, pois não leva em consideração a profundidade de conexão e compreensão que só a sensibilidade pode proporcionar. Ser sensível não é ser dominado pelas emoções, mas sim ter a habilidade de se engajar com elas, escutando o que elas expressam e significam, tendo a capacidade de retornar a um estado de organização interior. Isso nos permite perceber as nuances, captar as sutilezas do comportamento humano e do mundo ao nosso redor, o que uma postura meramente pragmática ou objetiva não seria capaz de apreender.
Na arte, essa sensibilidade é o que nos distingue como criadores. É o que nos permite explorar o não dito, aquilo que está entre as linhas, nos gestos pequenos, nos olhares que não são capturados pelas palavras. A sensibilidade artística, ao contrário de ser um obstáculo, é a força que dá vida à criação. Ela nos desafia a ir além da superfície, a sentir o que está por trás de uma imagem, de uma sequência, de um movimento, de um simples gesto que pode parecer banal, mas que amplia toda a nossa relação com um instante. Sem ela, qualquer forma de expressão se torna seca, meramente técnica, destituída de alma.
Há também uma relação íntima entre sensibilidade e a incerteza que permeia o processo criativo. As redes sociais reforçam a conduta de busca por certezas, enquanto os artistas que abraçam sua sensibilidade entendem que o mistério é uma parte fundamental da existência, criando um relação com aquilo que talvez um dogma religioso poderia explorar. A dúvida não é um sinal de fragilidade, mas de curiosidade, de vontade de se relacionar diretamente com aquilo que podemos chamar de "outro". pois é através da dúvida que questionamos o status quo, que encontramos novas maneiras de nos expressar e que desafiamos o entendimento comum do que dizem que o "outro" é. Ser sensível é explicado ou resolvido; muitas vezes, é no espaço do indefinido que reside a magia de se relacionar com a criação, encontrando uma forma de liberdade, que nos permite encontrar outras formas de enxergarmos esse "outro". O "outro" na sua verdade, que confronta a nossa certeza, o nosso preconceito e principalmente os nossos medos.
A crítica aos artistas que se entregam ao algoritmo das redes sociais é mais do que uma simples observação sobre o estado atual da arte. É um lamento pela perda da profundidade em um mar de superficialidade digital. Quando a arte se torna refém dos "likes", dos "shares" e das visualizações, o que se perde é o sentido criação: a capacidade de provocar reflexão, evocar emoção e desafiar uma ideia de normalidade. Em vez disso, vemos a ascensão de uma produção que visa agradar algoritmos e não a criação de obras que dialoguem com outras questões que vão além da objetividade. A arte acaba se tornando um fast food cultural, feita para consumo rápido e sem impacto duradouro em um indivíduo. No entanto, ao se guiar pelas métricas de engajamento, muitos criadores caem na armadilha de produzir obras que se tornam efêmeras, descartáveis como uma rolagem de feed. Não é mais uma questão de expressar a complexidade da existência, mas de agradar um público com atenção fragmentada, que "curte" uma imagem apenas para passar logo para a próxima.
O algoritmo das redes sociais é a personificação do pragmatismo em seu pior sentido, ditando o que deve ser visto, ouvido e sentido. Ele privilegia o que é simples, rápido e viral, e a arte, sob essa lógica, torna-se um produto, uma mercadoria moldada para encaixar nas expectativas rasas do mercado digital. O resultado? Uma avalanche de criações que seguem fórmulas pré-determinadas: cores vibrantes, frases de efeito e mensagens que podem ser resumidas em uma frase e parecer possuir uma profundidade que só alegra quem não possui um repertório mais amplo sobre a existência. É a arte pasteurizada, feita sob medida para agradar um grande número de pessoas em um espaço curto de tempo. O mais irônico é que, ao se curvar ao algoritmo, muitos artistas perdem justamente o que poderia torná-lo genuino. Na busca por viralidade, eles diluem sua autenticidade e acabam produzindo algo que acaba se perdendo na esfera da técnica, ou diante de discursos massificados e, na maioria das vezes, moralistas — desde que manipulem as relações para alimentar os dados de engajamento. A criação deixa de ser um processo amplo de questionamento, de exploração do desconhecido, para se tornar um exercício de agradar um público que não busca ser desafiado, mas apenas entretido.
A superficialidade imposta pelo algoritmo empurra o artista para um ciclo vicioso. Quanto mais ele se adapta às exigências da rede, mais ele precisa sacrificar sua capacidade crítica, e quanto mais superficial se torna sua arte, mais refém dessa lógica ele fica. É um ciclo de alienação que não só empobrece a criação artística, mas também a experiência cultural que as redes sociais poderiam proporcionar ao colocar os “outros” em contato. No final, a arte se converte em um eco vazio, refletindo apenas o desejo por validação instantânea.
Byung-Chul Han, em seus escritos sobre a "sociedade do cansaço" e a "sociedade da transparência", oferece uma análise incisiva sobre o impacto das redes sociais e da cultura digital em nossa vida contemporânea, e sua visão complementa perfeitamente essa crítica ao papel do artista na era do algoritmo. Han observa que vivemos em uma época de excesso de informação e de uma transparência que destrói o mistério e o silêncio necessários para a verdadeira criação. O algoritmo, nesse contexto, atua como um agente de controle, moldando o comportamento e as interações com base em um sistema de visibilidade total e imediata. Em seu livro A Sociedade da Transparência, Han afirma: “A exposição total gera uma visibilidade excessiva que é destrutiva tanto para a profundidade quanto para a aura. Onde tudo se ilumina de forma igual, desaparece a singularidade”. Isso é precisamente o que acontece com a arte quando ela se submete aos ditames das redes sociais. O resultado é uma obra que se torna transparente demais — onde tudo é evidente, mas nada ressoa além da relação simplória que venho apontando no texto. Para o filósofo, essa dinâmica leva ao esgotamento e à perda de sentido, pois o artista se torna mais um "empreendedor de si mesmo", focado na autopromoção e não na sua genuina criação, que poderia fazer um sentido maior para o seu próprio processo de desenvolvimento artístico. A arte, que deveria ser um espaço de resistência ao utilitarismo e ao produtivismo, acaba sendo capturada por essa lógica, destruíndo qualquer lógica que contrarie um sistema de falsas recompensas.
O artista que se entrega ao algoritmo das redes sociais abandona o espaço do não-dito e da dúvida, elementos essenciais para assumir sua própria sensibilidade, e abraça uma superficialidade que, no final, contribui para a erosão de seu próprio potencial criativo. Essa entrega ao algoritmo não apenas é um problema de estética, mas um sintoma de uma sociedade adoecida, presa em uma dinâmica de desempenho incessante que esgota qualquer possibilidade de expressão das contradições e emoções que não interessam à essa lógica. Para resistir a isso, ao meu ver, só resta se encontrar com os sentimentos mais profundos que evitamos reconhecer a existência.