Um dos momentos mais bonitos do filme 'A Vila' de M. Night Shyamalan acontece quando um dos monstros que cercam a cidade invade o território dos moradores de uma vila reclusa, que vivem à sombra das histórias contadas sobre os horrores causados por essas criaturas.
Lucius e Ivy são amigos de infância cujo afeto compartilhado desapareceu com o tempo. Sua relação, assim como muitas outras desta vila, tem um tom infantil, uma forma inocente de lidar e narrar os sentimentos e as contradições que sentem.
Durante a invasão da criatura, Lucius surge da noite para atuar como o herói que sente ser, ajudando os outros moradores a se esconderem. Ao mesmo tempo, aguardando por Lucius, Ivy afirma que ele caminha pela escuridão e sabe que cumprirá sua promessa de sempre protegê-la. Ninguém acredita, somente ela, que de dentro da escuridão de sua cegueira se vê capaz de enxergar as cores distintas das pessoas à sua frente. Somente as cores.
Algumas cenas antes, Ivy lamenta que Lucius tenha se distanciado dela ao longo dos anos, que ele nunca mais tivesse segurado sua mão como fazia habitualmente. Mão essa que ela mantém estendida na escuridão, aguardando que Lucius cumpra com sua palavra. O silêncio é interrompido por uma das músicas mais belas de James Newton Howard no instante em que Lucius finalmente aparece. "Those We Don't Speak Of" é o nome da canção que você encontra fácil por aí.
M. Night Shyamalan está em baixa com seus filmes que, ao meu ver, realmente deixam a desejar. Mas há uma safra de filmes no início da sua carreira que considero um espetáculo visual e discursivo. Acredito muito no cinema da encenação, mais do que no cinema das palavras. Quando um diretor possui a capacidade de sintetizar em gestos e imagens os sentimentos e as angústias, a arte atinge uma forma de comunicação muito mais potente do que palavras.
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Do autor: Caetano Grippo é cineasta, artista plástico e professor. No Espaço Rasgo, além de coordenador é idealizador e professor dos cursos de narrativas, fotografia e direção.