Uzumaki é um mangá de terror criado por Junji Ito que narra a história da cidade fictícia de Kurouzu-cho, onde os habitantes começam a sentir uma certa obsessão por espirais. Essa forma geométrica, que surge em vários aspectos da vida cotidiana, vai aos poucos corrompendo a cidade e seus moradores, levando-os a transformações corporais e psíquicas, e rapidamente escalando para um estado de loucura. A história é contada principalmente sob a perspectiva de Kirie Goshima e seu namorado, Shuichi Saito, enquanto eles testemunham e enfrentam os efeitos sinistros das espirais.
A obsessão é um dos temas centrais em Uzumaki, funcionando como uma força inevitável que leva os personagens a um destino sombrio. A presença das espirais na cidade começa com uma curiosidade sinistra, mas rapidamente se transforma em uma fixação que consome os moradores. Um momento emblemático ocorre quando a mãe de Shuichi, após ver o marido sucumbir à espiral, desenvolve um medo patológico dessa forma. Ela fica obcecada com a ideia de que as espirais estão "dentro dela", especialmente nos órgãos, como as impressões digitais e a própria estrutura do ouvido. Desesperada para se livrar de tudo o que remete à espiral, chega ao ponto de tentar automutilação. A obsessão escala para a paranoia, e Junji Ito faz uso dessa paranoia para intensificar o horror, mostrando como esse mecanismo espiral vai além da simples ideia sombria e se torna uma metáfora dos nossos tempos contemporâneos.
Fazendo uma leitura simplificada, podemos dizer que, na psicanálise, a neurose é entendida como um conflito entre os impulsos inconscientes de uma pessoa e as exigências impostas pela vida em sociedade. Esse conflito surge porque, para viver em um ambiente socialmente aceitável, o indivíduo precisa reprimir certos desejos e impulsos primitivos – muitos dos quais vão contra normas e valores sociais. Essas repressões criam tensões internas que se expressam através de sintomas neuróticos, como obsessões e fobias, servindo como válvulas de escape para os desejos reprimidos. Como se o corpo, impossibilitado de expressar sua pulsão genuína, manifestasse um sintoma, físico ou mental, para expressar aquilo que foi reprimido. Essa ideia pode nos fazer questionar se essas espirais, em sua repetição e intensidade, não seriam mais do que uma metáfora visual para o próprio processo neurótico, algo que todos experimentamos em diferentes graus. Afinal, quem nunca se sentiu preso em pensamentos e preocupações que retornam incessantemente, como um ciclo que insiste em se renovar? Ao observar as espirais em Uzumaki, somos convidados a refletir sobre como a tentativa de suprimir partes de nós mesmos pode, muitas vezes, nos levar ao oposto do controle e, em vez disso, nos afundar em repetições que só fazem aumentar nosso sofrimento e alienação.
E se as espirais não forem apenas uma metáfora da neurose individual, mas um símbolo da própria condição humana, um movimento inerente ao modo como lidamos com a realidade? Na tentativa de se adaptar, o ser humano constrói estruturas psíquicas para conter seus desejos e ansiedades, mas ao fazer isso, cria também armadilhas, pontos de retorno em que esses impulsos voltam a ele, mais fortes e distorcidos. Essas espirais não são apenas manifestações do inconsciente, mas também reflexos da repetição compulsiva, uma pulsão de morte que Freud descreveu como o desejo de retornar a um estado de inércia, ao "zero absoluto" do ser. Mas sou crítico ao conceito de pulsão de morte, então deixo essa ideia somente como uma provocação.
O horror em Uzumaki não é só o medo de perder a sanidade diante do irracional, mas o pavor de se deparar com a própria natureza fragmentada e cíclica da mente, que nos impede de termos total dimensão de quem somos. Em vez de encontrarmos preenchimento, nos perdemos, consumidos por uma força interna que nos leva a uma perda completa de identidade — um destino semelhante ao de Narciso, que, ao se fixar em uma autoimagem impossível, acaba vazio e desconectado, em um ciclo infinito de alienação e destruição. Ao ver sua imagem refletida em um lago, Narciso fica imediatamente encantado e incapaz de desviar o olhar de si mesmo, sem perceber que está apaixonado por uma ilusão. Ele tenta alcançar o reflexo, mas, frustrado e consumido pelo desejo inalcançável, acaba morrendo ali, na margem do lago. Assim como os personagens fazem com a espiral.
Ao tentar domesticar seus impulsos, o ser humano inevitavelmente gera zonas de conflito internas que, em vez de controladas, se ampliam como repetições, onde a tentativa de fuga leva de volta ao mesmo ponto. Essa condição não é apenas neurótica, mas existencial — a constante tentativa de se aproximar de uma ordem e estabilidade que, ao longo do processo, se revelam ilusórias. A espiral, nesse sentido, é um símbolo perturbador de como o próprio processo de repressão e o desejo de controle sobre a psique podem ser uma condenação ao conflito, uma dança sem fim entre o desejo e sua negação.